Contraponto para Isabel Aguiar (1) - admiração

 

O que amo na escrita de I. é a velocidade e uma prosódia peculiar, entrecortada, que se elabora como ritmo da sofreguidão, da emergência. É difícil analisar o que se admira na escrita de alguém, como no corpo, na alma de alguém. É difícil passar da impressão, dos afectos e das percepções ao pensamento. Talvez seja impossível cortar uma fatia do infinito, sem o desvirtuar. É impossível? O pensamento também é infinito, também voa a uma velocidade infinita, que nos escapa. Já no século XVII, muito antes de Freud, Leibniz se apercebeu dos "pensamentos voadores," aqueles que vão tão rápido que nem damos por eles... e não há dúvida que há, nas operações de pensar sobre alguma coisa, algo de semelhante a trinchar um animal, como observou Platão. Há uma violência terrível quando se pensa. Desmanchamos tudo. Abrandamos ao ponto do inenarrável. Congelamos. Por vezes temos a sensação de morrer aos poucos, bocado a bocado. As lentes de aumentar transformam os poros da pele em crateras lunares, células em galáxias ou universos, veias em ramos de árvores, gafanhotos em labirintos. Existem muitas máquinas possíveis para pensar. Pintar, escrever, dançar, torcer o corpo. Outras, mais tradicionais. Se vamos longe demais, perdemo-nos e é verdade que arriscamos, para sempre, uma difusa e efectiva ruína. Que ruína é essa? O desnorte? O não saber quem se é? A angústia? O infinito? O nada? Amo a escrita de I. porque corre apaixonada em direcção à falésia e fica ali a balançar, como um corredor incauto preso num arbusto. Ambos tão frágeis e fortes, o corredor e o arbusto. Cairão? Esta escrita fica ali na margem da fascinação pelo fundo, suspensa da vertigem. Porque nesta escrita o tempo está sempre a acabar de se fazer e agora imediatamente voa. É como se faltasse o ar para o que tem de ser dito. O que tem de ser dito e pensado não cabe na vida, ainda menos nas palavras, extravasa por todos os lados. Há esta urgência tão pungente e dolorosa de agarrar o agora, porque o tempo não regressa nunca e a vida acontece de uma vez por todas em cada gesto e não se repete. É o que amo aqui, chamemos-lhe escrita.