Contraponto para Isabel Aguiar (5) - O livro da personagem

 

Perguntaste: "Poderás escrever o livro da personagem?" Pensei imediatamente: "Sim." Há quem diga que personagens são pessoas em livros. Aquelas pessoas que por ali aparecem. Parece que serão feitas com pedaços de muitas coisas. Palavras, diálogos, descrições, desejos, memórias, visões, perceptos, afectos, análises, pensamentos. Aparecem por ali tal como as pessoas de carne e osso nos aparecem: por bocados. Tal como nós a nós mesmos nos aparecemos: truncados. Aparecem como visões e sensações e são como todas as formas de consciência e percepção: avançam (ou não avançam) por flashes. (Porque podem constituir-se sem nenhum progresso. Isto é, podem fazer-se sem avançar.) Como paisagens encandeadas por clarões. Compõem-se e ganham vida própria, uma vida peculiar que porventura nos atravessa. Personas, aragens, passagens. Mas estas personagens, cuja aventura é escrever os seus livros, que são elas? Linhas de fuga? Caminhos? Vias de experimentação? Companheiros secretos? Disfarces? Afirmações? Como todas as personagens, são como sensações que se fazem da existência dos outros e nossa. Mas são outra coisa ainda. Sentido. Missão. Destino. Paixão. Vida. Morte. Confirmação. E outra coisa ainda. Outra. Máquinas de existir, sentir e pensar. Modos de existência.