Metáfora

Sonho CCCV

Guiava o meu carro num longo túnel debaixo da cidade. Com a ajuda do GPS e do Google Maps tentava seguir pelo mapa um caminho que me era perfeitamente desconhecido. Numa daquelas bifurcações manhosas, porém, não estive com a atenção necessária para seguir pelo lado certo e fui pelo lado errado. Como corrigiria o Google Maps a minha rota? De um modo muito surpreendente, o Google Maps mandou-me sair do carro e seguir a pé. Fui por uma escadaria em caracol que subia em direcção ao céu no interior de uma torre metálica muito estreita que parecia um silo. As escadas eram difíceis, como espaldares de ginásio ou escadotes, e faziam medo. Porém, eu contrariava o medo com golpes de coragem e içava-me para cima, socorrendo-me de forças que desconhecia possuir e que me eram totalmente inesperadas. Atrás de mim vinha uma turba de adolescentes com aquela peculiar euforia excessiva e um pouco desagradável, acompanhada por gritinhos e pelas vozes fora de tom. Por fim, quando chegámos ao topo, tudo o que havia era uma vista absolutamente magnífica da cidade inteira. Era de noite e toda a cidade luzia com uma sumptuosidade inenarrável. Parecia um enorme coral vibrante e iridescente. Fiquei ali num estado de abismação e extremo cansaço, pensando em como o Google Maps se tinha enganado e em como poderia agora voltar para trás com toda aquela turba na escada tão estreita. Tinha perdido um sapato e perguntei se alguém o teria encontrado. Ninguém. E eu não podia deixar de apreciar a vista, que me embriagava como uma espécie de álcool. Que vista deslumbrante e extraordinária! O meu corpo dançava fluída e entusiasticamente em cada um daqueles incontáveis pontos de luz. Também não conseguia lembrar-me mais de qual seria o meu destino inicial, o destino para o qual corria com tanta pressa, afã e esmero, com a ajuda do GPS e do Google Maps. Para onde me dirigia afinal? Para quê voltar para trás? Como é que alguém pode de repente ser atacado por uma amnésia tão completa em relação a algo que perseguia anteriormente com tanta motivação? Por mais que puxasse pela cabeça, não me lembrava. Seria que alguma coisa de muito grave se passava comigo? Alguém encontrou um sapato que me foi dado. E eu disse: "Sinto-me uma verdadeira Cinderela." Porém, o sapato era uma sapatilha demasiado larga e que não dava para dançar. "Não faz mal. Melhor andar calçado do que descalço." Ali estava eu no topo de uma escada em caracol com vista sobre a cidade. A minha pressa desvanecia-se como volutas de fumo e a minha angústia foi lentamente tomada por um vago sub-sorriso interior que me fazia lembrar o do gato do Lewis Carrol. Era todo um absurdo ridente, aquele somatório de erros e enganos. Parecia uma metáfora da própria vida. Tanta pressa para quê? Qual era afinal esse destino tão importante e de que me esquecera totalmente?