Os espíritos, a casa e os pterodáctilos

 Sonho CCCVI


Ao chegar a casa, depois de um longo dia de trabalho, verifiquei que a casa tinha sido visitada por um espírito. "Deve ter sido um espírito bom." - pensei eu. Pois os cortinados do quarto estavam delicadamente abertos de um modo muito suave e com um jeito especial para amparar a queda do tecido. Só um espírito muito particular poderia ter esse género de delicadeza e, na verdade, teria de ser obrigatoriamente bom. Até agradecia que a casa fosse visitada por um espírito que fizesse algumas tarefas domésticas, ainda para mais com tal sensibilidade e bom gosto. Mas que fora feito da cama? A cama desparecera. Talvez não fosse um espírito assim tão bom. E que ideia fora aquela de arrumar toda a loiça da cozinha no topo dos armários da roupa? Não devia ter sido com má intenção. Para um espírito certamente tanto faz. Eles já não precisam de escadotes, tanto lhes faz que as coisas estejam à mão como não. Voam sempre que querem, com certeza. Mas que confusão. Afinal a casa estava cheia de espíritos e havia comida por todo o lado. Um verdadeiro banquete. Na bancada da cozinha estava uma enorme pavlova meio comida e uma data de tacinhas de leite creme com açúcar queimado. Que festim, meu Deus... Estava já numa grande aflição, vendo a casa cheia de espíritos que andavam de um lado para o outro, muito satisfeitos. A única consolação era que, apesar de conseguir vê-los, eles não pareciam ver-me a mim. Decidi ligar para uma grande amiga que tinha poderes paranormais. Mas o estado de pavor em que estava era tal que não me saía um único som pela boca, embora mexesse os lábios, tentando articular as palavras. Também não me conseguia concentrar de modo a escrever uma mensagem, pois não conseguia tirar os olhos do que me rodeava. Um dos espíritos aproximou-se de mim com uma taça de leite creme na mão, observando-me com os olhos muito abertos. Era uma jovem rapariga mulata, muito bonita, e olhava para mim com enorme curiosidade. Decidi pôr-me em fuga da minha própria casa. Talvez conseguisse chegar a casa da minha amiga e então as duas juntas conseguíssemos libertar a casa de todos os espíritos, bons, maus, ou o que fossem. A caminho, porém, desceu sobre mim um bando de pterodáctilos. Estes animais não foram extintos há milhares de anos? Pelos vistos, não. Ali estavam eles, voando e gritando, os enormes pássaros. Era o meu dia. E nada do que estava no presente pudera alguma vez ter sido imaginado como ideia de futuro.