Sobre o valor da esperança

Sonho CC



F. de Riverday recebera um grande embrulho com muitas coisas, muitas delas repetidas.

Havia dois pentes, dois relógios, dois cintos e várias outras coisas em duplicado.

A Riverday porém não gostava de ter coisas em duplicado.

Bastava-lhe um pente, um cinto e um relógio; não precisava de dois.

Pensava de si para si a quem poderia dar aquele excedente, sem se fazer muito notada.

Não compreendia as outras pessoas, que gostavam tanto de multiplicar as suas coisas.

O que Riverday mais gostava, pelo contrário, era de espaço.

Com o saco na mão, a Riverday entrou num elevador que desatou a subir em alta velocidade, como um foguetão.

As paredes do elevador abanavam como as cortinas do duche e Riverday pensou que se perdesse o equilíbrio cairia certamente de uma altura espantosa.

Tecto após tecto, o elevador furava os vários andares, até que disparou em direcção às nuvens.

«Ah!...» - exclamou Riverday. - «Como é possível?...»

A Riverday percebeu então que tinha morrido e, portanto, o novo plano em que se movia já não obedecia às antigas regras.

As cortinas do duche soltaram-se e a Riverday sentou-se no chão do elevador que voava velozmente sobre as colinas como um tapete voador.

Estava agora num desses subúrbios onde proliferam desordenadamente as casinhas e os respectivos pátios e onde a pobreza, mais que a dos bens, é a do gosto. 

Por todo o lado se viam leões de pedra ladeando os pequenos portões, aos pares.

À porta de um pequeno café, o seu meio de transporte estacou.

A F. de Riverday estava cheia de fome.

Abriu a carteira, mas só tinha cinquenta cêntimos.

«Não se preocupe.» - Disse-lhe o homem atrás do balcão. - «Aqui ninguém fica com fome.»

O homem desapareceu por uma porta, enquanto Riverday sonhava com a comida.

O que lhe apetecia mesmo era um bife com batatas fritas e um ovo a cavalo, mas, se fosse uma sandes de queijo, também ficaria contente.

É incrível como, na maior adversidade, e até mesmo na hora da nossa morte, nos basta o dom da esperança para sermos felizes.

A F. de Riverday flutuava na alegria indefinida dessa perspectiva indeterminada, mas certa, de vir em breve a saciar a sua fome.