Sobre o aparente paradoxo de um facto transcendental

Sonho CXCVII



De madrugada, F. de Riverday desceu as íngremes escadinhas da Praia das Avencas, mas não foi para fazer amor às escondidas.

Na praia passeava um gigante, um homem enorme e assustador, e, um pouco adiante, um pequeno homem com próteses em vez de pernas que transpôs um muro com uma agilidade impensável.

«Onde é que te vieste meter?» - Perguntou-se Riverday.

Graças a Deus, o dia estava a nascer.

Num pequeno bar estava uma elegante mulher que preparava acepipes.

Ela era a proprietária do bar e procurava mostrá-lo de muitas maneiras, desde a indumentária, até ao tom em que distribuía ordens e instruções, passando por uma permanente atitude vistorial.

Talvez se sentisse frustrada, pensou F. de Riverday.

Solícita, uma outra mulher aproximou-se, com o intuito de dizer uma coisa agradável.

«Que bolos deliciosos!» - Disse a mulher.

«Porque é que não te vais suicidar hoje à tarde?» - Foi a resposta.

Nunca se dizem coisas agradáveis a certas pessoas quando estão no auge de uma frustração.

A maldade, tal como a bondade, não deixa de ser um elemento transcendental em acção.