Sobre a tortura

Sonho CXCII



A Francisca arranjara finalmente coragem para partilhar um espaço público com Heinrich Hart, apesar do abalo que isso lhe causava.

Quem segurava as rédeas da sua alma nem suspeitava do que levava nas mãos!...

Abdicando de toda a compostura, e apesar de estar num espaço público, a Francisca já nem se dava ao trabalho de disfarçar, nem sequer em prol da boa educação.

Olhou para Heinrich Hart e de imediato tapou os olhos com as mãos, inspirando profundamente, ao mesmo tempo que escorregava pela cadeira.

Pior do que ser atingido por um raio, pior do que arder de febre prostrado num leito, pior do que ser desfeito a golpes de picareta - era aquele estado.

«Perdido por cem - perdido por mil.»

E mais triste ainda do que aquela triste figura, naquele momento, era a sua melhor amiga estar tão bêbada e não conseguir manter-se direita, na cadeira a seu lado.

De que servia que ela, Francisca, não tocasse em álcool há vários anos?

«Diz-me com quem andas - dir-te-ei quem és.»

Era esse o pressuposto juízo alheio que a torturava, irreparavelmente.