Entre o trivial e o sublime

Fragmento 40


Naquelas primeiras reuniões, enquanto ouvia os outros falar, chorava. As lágrimas rolavam-  -me pelo rosto, incontidas. Crianças filhas de outras crianças, adultos à força que ficam, em adultos, como estranhos anões. Adultos-crianças, depois de serem crianças-adultos. Histórias de sofrimentos impossíveis, de doenças, de mortes, de milimétricas perdas indizíveis, discretas e silenciosas, contadas por vezes em pequenos deslizes, sem que o protagonista se apercebesse do significado ou da realidade da própria história. Histórias banais, as histórias de todos, mas com erros de proporção. Porque não há ordem possível, acordo possível, entre o sofrimento a suportar e as forças da criança, dessa antiga criança que continua, pela vida fora, a reclamar o seu quinhão perdido, a gritar o excesso sem nome, em factos silenciosos, em actos de loucura e de tortura, em repetições e gestos absurdos. Não se trata de injustiça, não se trata sequer de desordem. Intensidade no meio do caos, que tanto cria como destrói. Uma franja de sublime, bordejando o excesso da dor. As contas de um jogo tremendo no tabuleiro do acaso. E eu chorava. Chorava por ser tão claro, tão evidente e, ao mesmo tempo, tão incompreensível. Depois vinha um elemento cómico, para aliviar aquele estado de tragédia, para me trazer de novo ao risível de uma comum humanidade, de um corpo mais trivial e mais escalonado... E qual era o elemento cómico?... Alguém me estendia, com expressão terna e compungida, um lencinho de papel... e o que é que eu fazia?... Ora... Assoava-me - com a inevitável fanfarra do nariz.