Irritações

Fragmento 180

 
Porque é que Proust não tem outro nome para dar ao desejo doentio de Swann por Odette, do Barão de Charlus pelo violinista Morel e de Marcel por Albertine? Como é que o patologista pode ter uma análise tão fina da doença, fazer um diagnóstico tão preciso de todos os seus males, descrever e nomear, por diversas vezes e com excepcional precisão, as sombras e as franjas das suas múltiplas degenerações (o ciúme, o controlo, a imaginação desconfiada e desregrada, o domínio, a paranóia, a perseguição, a desconfiança, a humilhação, a posse, o vício, a semelhança entre este tipo de apaixonados e os opiómanos...), e depois falhar de um modo tão grosseiro a catalogação da doença? Eu acredito que os grandes escritores usam a língua de um modo literal. E chamar amor a isto é praticamente a mesma coisa que chamar sede ao impulso que leva um alcoólico a beber.