O Capital

Fragmento 77



Admiro O Capital de Marx pela inteligência, pelo humor, pela análise visionária e pela grande humanidade.
 
Admiro-o pela coragem, pelo ímpeto e pelo rigor com que denuncia e condena o horror e o inferno da exploração do homem pelo homem.  
 
Admiro com toda a minha inteligência e coração a visão do grande economista e filósofo que vê com um radar incrível o destino inexorável do capitalismo, mesmo sem tomar em conta a tragédia que os recursos finitos do planeta impõem à potencial progressão infinita dos fluxos do trabalho e dinheiro no capitalismo.
 
Marx propõe um conceito de valor que resulta, nos produtos, de uma incorporação de forças. Forças de trabalho vivas (as pessoas), e forças de trabalho mortas (os capitais).
 
O Capital de Karl Marx é cada vez mais actual, é um livro que continua a descrever o nosso tormento.
 
Ainda que O Manifesto Comunista seja um fiasco que derrapa nas piores armadilhas de uma máquina que não podia ser senão de guerra, a análise que o inspirou não fica por isso menos brilhante.
 
Amo sem tréguas esta avaliação crua e implacável da natureza da mais-valia, afinal, a essência, o nó, das subtis escravaturas modernas.
 
Além disso, encontro em Marx uma graça especial e pungente quando escreve coisas do género:
 
«Um homem que viva trinta anos não pode pensar em nunca se lavar.»
 
Marx nunca se esquece que as horas de trabalho que os capitais pagam são tempo de vida de gente, tempo de vida que os capitais consomem mas que jamais podem vir a comprar, se alguém quiser de novo intacto, esse tempo de vida.
 
A que mercado nos dirigimos, se quisermos comprar mais um ano de vida?
 
É o trágico paradoxo de uma dolorosa equação irreversível.
 
«Pensar que o trabalho possa ter um preço é tão absurdo como imaginar um logaritmo amarelo», diz ele.
 
E nós aguardamos com férrea esperança esse momento em que venha a ser pelo menos filosoficamente insuportável aceitar que um ser humano possa ser explorado por outro ser humano.
 
E não queremos uma utopia, queremos uma nova humanidade.
 
Que nova revolução poderá ainda inspirar uma tal lucidez?