Os sonhos em que perdemos a roupa

Sonho CCLXIX


Já não sei porque carga de água teria perdido a minha roupa.
 
No espelho das aulas de dança é que tinha captado de um modo involuntário e pela primeira vez certos vislumbres de um corpo desconhecido - o meu. Porque todos os corpos têm um tema que não corresponde à figura, e esse tema tem um aspecto musical, como se fosse um contraponto. Trata-se de uma composição abstracta de linhas e planos que tecem uma harmonia única e peculiar e de que temos a visão clara no caso dos outros e sempre a visão opaca no nosso. Porque existe um contraponto entre linhas de movimento e extensões planas, nos corpos de toda a gente, e desse contraponto nasce uma postura que aparece toda enfeitada de afectos, como um pássaro enfeitado de penas. É uma composição viva e móvel de linhas e movimentos abstractos (porque não são figuras nem contornos objectivos), que nos faz dizer de alguém, por exemplo, que é uma pantera. E é também uma espécie de graça, muito evidente nas crianças e nos animais, mas por vezes mais apagada nos adultos. Certo nariz, certos olhos proeminentes, certos caracóis na nuca que de repente se tornam tão expressivos. No meu caso surpreendera inesperadamente umas linhas planas que nunca imaginaria ter e uma espécie de peculiar alegria e delicada altivez, que seriam insuspeitáveis. E agora que por um milagre da percepção pudera de certo modo vislumbrar um tema no meu próprio corpo, agora que conseguira uma tal proeza é que dava por mim nesta situação confrangedora.
 
Não fazia a mínima ideia de como sair condignamente do banho turco.