As cores do mundo sob o efeito do amor

Sonho CCLXXIII
 
 
Dera por mim a fazer uma coisa totalmente inesperada, que jamais me passaria pela cabeça.
 
Sentada no banco de trás de um volkswagen descapotável, descalçara o sapato do pé direito e, como aqueles russos que atiram o copo para trás depois de beber um shot de vodka, lançara o sapato para trás das costas. Porém, não contente com isso, dera ainda um salto mortal, e, com uma cambalhota para trás, voara do banco do automóvel para ir ao encontro de um antigo amor.
 
Alegremente nos abraçámos e fomos dar um passeio na praia, e eu olhava em redor maravilhada com as cores que agora matizavam as paisagens. Parecia que tudo ardia com um fogo interior que transfigurava as superfícies e que as fazia vibrar, como se agora todas as pequenas coisas dançassem com fagulhas de luz e cores luxuriosas, traçando piruetas que eram como explosões de pirilampos, rodopiando no ar. Eram as folhas das palmeiras que agora tinham todas as cores do arco-íris, amarelo, azul, verde, rosa e vermelho, e as montanhas que se incendiavam nos cumes dourados, como se ardessem em brilhantes labaredas de ouro. Por detrás das árvores, cintilavam faíscas lilases e por todo o lado parecia que as coisas tinham sido coloridas pela alegria selvagem de uma criança.
 
- Ah!... - Dizia eu. - Vês aquele lilás?
 
- Aquelas cores do arco-íris nas palmeiras? Aquelas montanhas douradas?

Ao mesmo tempo franzia os olhos para tentar ver o mundo sem aquelas cores fulgurantes, porventura o mundo como fosse ele mesmo, o que nunca se saberia de facto.

Mesmo que aquela fosse a visão absolutamente privada do mundo incendiado pelo meu desejo, queria ter aquelas montanhas douradas e o fulgor das faíscas lilases na sombra das árvores gravados nos meus olhos para todo sempre, por séculos e séculos e por todas as aventuras e vidas e futuras da minha alma, se um dia lhe fosse possível renascer!...