A sós com Deus

Fragmento 15


Em frente à janela, quando tomava o pequeno-almoço na madrugada escura (eram 6:00 da manhã), a minha leitura foi interrompida pelo som infinitamente delicado e suave das incontáveis gotas de água caindo sobre a estrada, sobre as casas e sobre as árvores.

Chovia suavemente e de repente, levantando a cabeça e olhando pela ampla janela dei de caras com uma paz infinita, um silêncio apenas tocado pelo som do toque dos cordões de água noutras matérias. Reflectiam-se espelhos no alcatrão negro da estrada, aqui e ali, com fulgurantes emissões de luz dourada – a luz dos candeeiros eléctricos ainda acesos na madrugada.

Através da auréola de uma das suas lâmpadas, a mais próxima da minha janela, via as linhas de água prateadas e contínuas, interrompidas quase imperceptivelmente pela velocidade da intensidade das gotas que caíam, pontilhando com cintilâncias esparsas essas finas correntezas luminosas, a tracejado. Um minúsculo insecto parecia estontear-se nessa luz, voando em elipses.

- A alegria acontece nos lugares mais inesperados. – disse uma vez Tolentino Mendonça.

É verdade. Preciso tanto destes momentos de silêncio e solidão em que tudo dorme e eu estou acordada, gozando imprevisivelmente a alegria de me encontrar a sós com Deus.