Sobre a maldade, o mundo e as leis



Estávamos numa fila, parados no sinal vermelho.

A Françoise era a segunda da fila, mas, quando o sinal ficou verde, o condutor que ia à sua frente sacou de uma saqueta de tabaco e começou a enrolar um cigarro.

A Françoise pensou que o condutor estivesse distraído e apitou ao de leve, para avisar.

O homem então saiu do carro e, encostando-se ao sinal, continuou a enrolar o cigarro.

Depois de o enrolar, dedicou-se a fumá-lo, lentamente, com longas baforadas de fumo.

O sinal mudava de verde para vermelho e de vermelho para verde, enquanto a fila crescia.

Atrás estavam dois autocarros apinhados de gente que viajava de pé.

A Françoise media as suas forças com as do homem, na imaginação, e verificava que não tinha qualquer hipótese.

De resto também não era impossível que ele fosse apenas mais um desses loucos com uma arma de fogo ou uma arma branca escondida no bolso e que estivesse precisamente à espera de acender o rastilho de uma briga.

Atrás, ninguém se mexia.

Por fim, o homem cansou-se de fumar o seu cigarro e decidiu arrancar.

«Isto acontece num país que está em paz e onde há leis, tribunais e polícia de segurança pública.» - pensou a Françoise.

O esforço de imaginar como seria num país em guerra e onde, regra geral, o que se segue à violência é a impunidade, era mais desesperante para a Françoise do que deter-se na ideia de um infinito para além do cosmos, ou de um infinito para além de um infinito.