A artista e o presidente

Sonho CCII



A artista compunha músicas.

Como tantos artistas, não sabia muito bem como vestir-se e, em diversas situações de convívio social, destacava-se pela inépcia.

O presidente, por seu lado, levava uma vida dissoluta, era hábil em vestir-se, em conviver de um modo superficial, e em mentiras.

Aliás, a sua vida pessoal estava repleta de tantas mentiras que uma das suas mulheres só chorava e dizia: «Adeus!...», de um modo bastante patético, quando descobria que ele tinha dois filhos desconhecidos de uma outra relação.

Era um filme.

A artista discava num antigo telefone vermelho um número, mas fazia uma pose muito artificial para a câmara de filmar, colocando o telefone vermelho ao peito.

TRRRRRRRRR!... Fazia o disco do telefone, depois de cada número.

O presidente tinha muitas cartas em cima da mesa, muitos assuntos para tratar.

Uma das suas maiores qualidades era a velocidade com que despachava os assuntos.

Ora, neste preciso momento, uma das suas obrigações era fazer um telefonema à artista, congratulado-a por ter ganhado um importante prémio de composição.

O presidente logo imediatamente pegou no telefone, enquanto olhava para a partitura vencedora daquele importante prémio internacional.

Ainda não tinha ouvido a música, e pouco percebia de partituras, mas conseguiu distinguir um dó em clave de sol, de que se lembrava, dos tempos da sua infância, por ser parecido com as imagens do planeta Saturno.

- Muitos parabéns! - disse o presidente à artista - Extraordinário, aquele dó no compasso cento e vinte e três! De resto, há muitas coisas que não compreendo na sua brilhante composição, mas não posso deixar de a congratular!

A artista estava confundida. Qual seria o dó do compasso cento e vinte e três? Para si a sua composição não obedecia a uma geografia de compassos numerados, de modo que não fazia ideia do que estaria o presidente a falar. De resto, se havia tantas coisas que o presidente não compreendia, apesar de a elogiar tão efusivamente, talvez isso não abonasse muito a seu favor.

- Muitíssimo obrigada. - respondeu a artista, bastante confundida.

- Olha! Um carro voador! - disse B., o amigo que seguia ao meu lado enquanto eu guiava o carro.

Estiquei o pescoço para poder olhar o céu, e lá estava, o carro voador.

- Não sabia que já existiam!

- Olha outro! Olha outro!

- E outro!

- Fantástico, têm piscas prateados, mas o sistema é basicamente o mesmo, já reparaste?

- Deve haver aqui perto um estacionamento especial para carros voadores.