Piraí

 

Tem tucano, tem sabiá,
tem preguiça, tem maritaca,
tem macaco e tem gambá.
Preguiça musical, subtil, sensual.
Maritaca verde de bico amarelo:
"käkäkä!..." "käkäkä!..."
Sabiá cantando com quinze notas,
fazendo ninho de barro,
esvoaçando.
Tem lagarto, tem capivára,
tem jacaré e tem arara.
Arara preta, araraúna,
arara-hiacinta, araruna,
ararinha, araracanga,
arara-azul-de-spix.
Me deixa falar esta língua -
certas palavras são fetiche.
Estão na língua como nos dedos -
como teclado debaixo dos dedos.
Palavra rara em que som vira barro,
vira lama, porcelana, vira tinta e vira cama.
Me deixa falar esta língua -
quero ser índio de pés nus,
gambá com suas orelhas redondas
e bolsinha para os ninos.
Sariguê, sarigueia,
tacaca, ticaca, micurê,
timbu, taibu...
quantos nomes tem gambá?...
Tem garça, tem jacu
(jacu que parece um perú)
tem rato e tem cutia.
Rato encurvado: acouti, 
acouchi, aguti, acuti...
quantos nomes tem cutia?...
Um nome é trilo de outro.
Uma palavra, mordente da outra.
Língua tupi, que delírio sem fim.
"käkäkä!..." "ta-rát!..." -
gritam os pássaros.
Também tem surucucu,
A COBRA
que dá várias dentadas.
Coral, cascavel, jararaca.
Tem sagui, tem quati,
tem tatu e urubu.
Quati de nariz pontudo,
espécie de guaxinim.
Urubu empertigado.
Sagui de rabo enrolado.
Sim, este poema é para ti
que estás no sítio do Piraí.
Paraíso, para ti -
que este poema seja pássaro,
garça, borboleta, atiati,
na beira do rio castanho,
na fazenda da avó Mimi.