O salto

Sonho CCXCIII



Estávamos naquela parte das aulas de ballet, no fim, quando o corpo está quente e maleável e fazemos saltos variados e rápidos traçando diagonais pelo comprimento completo da grande sala, uma aluna de cada vez.

Pode faltar-nos o ar, e até a força, mas nunca o entusiasmo.

E de resto há sempre, como no depósito de gasolina depois de soar o alarme, mais um pouco de ar e de força (e muito mais do que esperado, na verdade).

Desta vez, porém, em vez de começar o grand jeté com um chassé, eu lançava-me numa grande corrida e saltava no ar com tanta força que conseguia flutuar dois metros acima do chão, com as pernas em split.

O que era aquilo? Uma sensação de voltar a ser pássaro?

Quando fora afinal esse tempo - o tempo de ter sido pássaro?

Em que vida?

Estava tão embriagada com aquela alegria e o prazer de me sentir flutuar no ar, que começava a improvisar uma série de saltos totalmente inexistentes, uma mistura entre piruetas, sisonnes, glissades e fouettés, e em que me sentia, ora como se estivesse dentro de água, ora no ar, mas quase nunca na terra.

Era uma espécie de delírio.

Seria um sonho?

Que bela descoberta...

Entre a inocência e a perversidade, entre o esplendor e a dor, entre o olhar vivo do cosmos e o deserto de nenhuma atenção, há esse trilho inesperado a ser traçado - um caminho sem nome, ainda por inventar.