Sobre uma praia de areias vermelhas

Sonho CCLVI


Naqueles tempos era vulgar que as pessoas viajassem todos os anos como forma de lazer e entretenimento.
 
A isso chamava-se turismo. Algumas pessoas pretendiam, com essas viagens, realizar um regresso à natureza e, ao mesmo tempo, ver coisas estranhas e maravilhosas.
 
A Françoise M., contra sua vontade, tinha sido apanhada numa dessas viagens e maldizia a sua sorte.
 
Tudo o que observava era que o regresso à natureza se fazia com todos os recursos da vida civilizada e que o hotel em que pernoitavam, à beira das praias e dunas selvagens, era igual a tantos hotéis em toda a parte, e por isso pouca diferença fazia que estivessem ou não a milhares de kilómetros das suas casas.
 
A Françoise M. sentia-se mais capaz de olhar as paisagens como um turista a dez kilómetros da sua casa, à beira do mar, do que ali naquele lugar mudo e distante em que sofria de uma angústia difusa e implacável por estar longe da sua cama, dos seus livros e do seu piano.
 
Nem todos são talhados para atravessar grandes distâncias e com isso ficarem felizes.
 
Ao lado da sua casa nunca um céu se repetia duas vezes, nem o mar era duas vezes o mesmo. Nesses arredores sempre infinitamente variados é que a Françoise se sentia livre e em paz para encontrar muitas coisas novas e maravilhosas todos os dias e para se surpreender com os seus pensamentos e com as suas perguntas, enquanto ali só conseguia pensar em todas aqueles gastos inúteis e em tanto dinheiro desbaratado, depois de ganho com tanta disciplina e sacrifício e, ainda que assim não fosse, que fazia falta a tanta pobreza no mundo.
 
A Françoise M. não percebia como fora apanhada em semelhante armadilha.
 
A praia tinha areias vermelhas e era tão inclinada que as ondas, quando subiam, arrastavam tudo para baixo como se fosse para um abismo sem fundo.
 
«Ali é que não me apanham.» - Pensava a Françoise, sentindo-se profundamente infeliz. - «Mas como é que eu vim aqui parar?»
 
Tinha tanto que fazer e com que ocupar o tempo sempre escasso e andava ali de um lado para o outro a olhar para as coisas como se todas as coisas não fossem sempre revelações em potência. Como se a revelação fosse intrínseca só às coisas e não à nossa postura diante das coisas!
 
Entre o grupo em que seguiam havia dois homens, um pouco mais velhos, que lhe faziam a corte.
 
A Françoise observava-os criteriosamente, mas não se sentia atraída por nenhum.
 
«Que estranha que é a atracção entre os humanos.» - Pensava a Françoise. - «Irracional a um ponto máximo, ou de uma lógica submersa e arrevesada que só compreendemos muitas décadas depois, ou que então nunca compreendemos.»
 
Um deles, sensual e com a figura atarracada, achava-se tão desejável como uma bandeja de frutas exóticas e maduras e nada de alternativo ou de diferente lhe parecia ocorrer.
 
O outro, curiosamente, tinha um fair play que não deixava a Françoise totalmente indiferente, apesar dos seus pensamentos em contrário. Fazia-lhe lembrar a pantera cor-de-rosa e, ao mesmo tempo, um tipo de ironista como o gato Garfield. Faíscas de humor puro saltavam dos seus olhos, compondo uma espécie de sub-riso que se ateava por todo o lado, a propósito de quase tudo e também de si mesmo.
 
Pois era magríssimo (ao contrário do gato Garfield), e usava sempre um kilt por cima das calças - coisa nunca vista! - cruzando as pernas com uma elegância mais do que feminina.