Sobre a inutilidade do arrependimento

Sonho CCLVIX


Estava prestes a entrar pela faustosa porta de um Hotel Palácio.
 
Do lado esquerdo da porta, perfilava-se, muito rígido, um porteiro com chapéu de coco e os cordões dourados que lhe saíam dos bolsos do colete.
 
Do lado direito, havia uma coisa que era uma espécie de respiradouro de automóvel gigante, que talvez servisse para fazer circular o ar.
 
Eu recuava bastante e, depois de uma bela corrida e de um salto mortal, lançava-me no ar e batia contra esse respiradouro de um modo realmente espectacular.

Em microssegundos, ainda com o corpo suspenso no ar, todas as minhas roupas pegavam fogo e se desfaziam em cinzas.

Não. Não quisera fazer nada daquilo, não quisera chocar contra o respiradouro e muito menos previra que as minhas roupas se incendiassem.
 
E não parecia que o porteiro se tivesse mexido, ou sequer virado a cabeça.
 
Caiam sobre as minhas costas pequenas bolas de fogo que revolteavam no ar como os nós amarelos dos raios das estrelas de Van Gogh, mas não me queimavam.
 
De que serviria arrepender-me?
 
Não fora uma bela corrida? Não fora um belo salto mortal?
 
De que me serviria agora essa culpa improdutiva que nascia de um falhanço tão espalhafatoso, mas que não dava para emendar coisa nenhuma?
 
Fora porventura um excesso de energia, um péssimo cálculo e uma forma particular de inocência a que amiúde chamam ingenuidade.
Portanto, lamentações para quê?
 
Belo quadro esse, cheio de fogo e estrelas dançantes.