Os sapatos do adúltero

Sonho CXCV



Pela terceira vez, F. de Riverday cortara o cabelo de um modo radical.

A primeira fora com seis anos de idade.

F. de Riverday não se lembrava de nada.

As fotografias é que mostravam uma menina de românticos cabelos dourados que de repente se transformara num rapaz.

A segunda fora aos dez anos.

A terceira, porém, teve qualquer coisa de dramático.

O cabeleireiro não queria proceder à operação.

Contrariado, fez uma longa trança com os cabelos e, depois de a cortar, entregou-lha, com uma expressão fúnebre.

Apesar de não ser já uma criança, Riverday preservava uma curiosa inocência que a impedia de colocar a hipótese de que os cabelos pudessem ser objecto de comércio.

Não percebeu aquele gesto, mas guardou a trança.

Ao subir a escada do seu prédio, a Riverday observou que um dos vizinhos tinha deixado os sapatos de fora.

Eram uns excelentes sapatos de pele, bem cortados e bem cosidos, muito elegantes.

Na verdade, tratava-se de um código para avisar que estava com a amante, não com a mulher.

Estranha mentalidade!...

F. de Riverday estava na posse desta informação por um mero acaso, por ter sido, de um modo inconsciente e durante um curto tempo, a amante involuntária de um homem comprometido.

Apesar de serem tão caros, o adúltero não tinha medo que lhe roubassem os sapatos.

Estavam usados. Ninguém se interessava por eles.