Desejo

Fragmento 186

 
«Se o desejo pudesse trazê-lo até mim de corpo e alma, ao desejado... Se tivesse a força de um raio e, mesmo sendo uma árvore, o arrancasse pela raiz... Se o desejo arrastasse montanhas e abrisse os mares e devorasse as distâncias e o universo, ah!, não só, não só sendo forte e entrando na substância do mundo, pois essa é a natureza invencível do desejo, é o gume diamantino e a sua aresta fulgurante, criar sempre qualquer coisa, nem que seja uma destruição, e operar um diferença, sempre, mas se tivesse a velocidade e a força para o arrebatar num cavalo alado e trazer até mim de uma vez por todas, ao desejado... Estranha força e paradoxal que tem uma potência perfeitamente inversa ao seu fim... Porque é a mim que ele arrasta no turbilhão como se eu fosse a feiticeira montada no vento; é a mim que transforma no fumo que sobe pelas chaminés e se compõe em fluxos de ar, de sopros e de nuvens; é a mim que trilha e separa e urge; que abala e transforma deixando a marca da sua onda; e é em mim que é motor dessa audácia indomável de imaginar a leveza - talvez a esperança. Mas «esperança» é ainda um termo demasiado cristalino quando comparado com a força tremenda e obscura que nos faz agarrar à vida com unhas e dentes, depois da passagem no deserto.»
 
 
 
 
Françoise M., Cartas, 1976-1996.