Sobre o futuro

Sonho LXXX
 
 
O planeta Terra estava realmente muito diferente.

As casas que estavam à superfície da Terra encontravam-se unidas umas às outras, não apenas por estradas, mas também por canais subterrâneos que as ligavam a centros comerciais com vários andares acomodados debaixo da terra.

A Maria do Mar enveredava por um desses canais e entrava numa ampla galeria praticamente deserta, toda forrada de mosaicos coloridos e brilhantes e com tectos abobadados e suspensos de colunas coloridas, semelhantes às dos antigos palácios egípcios.

«Mas que giro que isto é!...» Pensava ela.

Era de madrugada e como não havia quase ninguém a Maria do Mar sentia-se realmente corajosa por ser capaz de andar por ali em explorações, sozinha.

Não queria comer, naquele momento, mas havia comida deliciosa espalhada por todo o lado e era difícil resistir. Bolos, suspiros, morangos, chantilly, gelados, pão-de-ló, framboesas...

Ela passava por todas essas coisas o mais depressa que conseguia e com água na boca, mas sem provar nada, e acabava por se encontrar num corredor muito estreito, cheio de gente e onde quase não havia espaço para passar.

Um dos homens que estava à sua frente, muito agressivo, decidia então voltar para trás sem querer saber de ninguém.

Empurrava um carrinho de compras de metal e como a Maria do Mar não conseguiu desviar-se, o homem passou por cima dela com o carrinho, apesar dos seus gritos e das suas súplicas.

Aquele homem era seu tio e era conhecido pelos da sua família como um homem tacanho e excepcionalmente insensível, mas ninguém se atrevia a confessá-lo publicamente.

No seu trabalho como professor universitário era apenas conhecido como um homem cordial e simpático, ainda que pedante e um pouco estúpido, mas em casa estava sempre a chamar «burra» à sua inteligente mulher e também à filha mais nova que um dia obrigou a acordar de repente, lançando-lhe uma prateleira de livros sobre a cabeça.

Portanto, nada mais natural que esse homem, encontrando-se em apuros com o sufoco em que estava, tivesse atropelado a Maria do Mar com o carrinho das compras.

Esta, mal conseguiu salvar-se do inusitado tormento, deu imediatamente de caras com uma senhora muito simpática que pretendia explicar-lhe como a sua cunhada estava «infectada».

«Mas infectada com o quê?...»

A verdade é que quando a cumprimentavam ela dava um choque como um aparelho eléctrico em curto-circuito.

«Meu Deus!...» Pensava a Maria. «Famílias!...»

E fugia dali, correndo.

Quando chegou à superfície, verificou que estava a decorrer um ataque massivo de animais à humanidade por causa das atrocidades praticadas contra eles ao longo dos séculos.

«Muito bem.» Pensava ela. «Já era tempo de se fazer alguma justiça.»

Um grupo de vacas, de bezerros e de touros atacava toureiros com forquilhas, para ver se eles gostavam da brincadeira.

Adiante, um homem gordo e atarracado fugia montado nas duas cabeças de dois cães.

A Maria do Mar podia ver de costas o seu rabo gordo a saltitar em cima das cabeças dos dois cães, para cima e para baixo, em grande velocidade e aos ziguezagues.