Esfir Chub

Fragmento 105


O FIM DA DINASTIA ROMANOV (1927)


Continuo a amar estes filmes antigos.

Sorvo os rostos, as paisagens, as posturas, os movimentos, os corpos...

Queria fazer uma pausa na tela a toda a hora, para ver, ver, ver...

Este era um filme de ideologia comunista (russo), um documentário de imagens reais, sem actores, e por todo o lado aquela massa de rostos assustados e espantados, a expressão da incompreensão estampada nas faces dos camponeses e das pobres multidões, meio atordoadas, meio desorientadas.

Impressionante.

Filmavam-se os trabalhos. Nos campos, as mulheres fortes e dobradas a ceifar numa incrível velocidade, como se disso dependesse toda a vida, muito pobres, alheadas das câmaras. Nas fábricas, os gestos velocíssimos e oprimidos dos homens amontoados nas atmosferas pestilentas.

Ritmo, ritmo, ritmo.

O ritmo dos marinheiros, uns atrás dos outros, a meterem ogivas nos canhões dos navios, perfeitamente coordenados, como violinos numa orquestra.
O ritmo dos homens a saírem das trincheiras em alta velocidade para a frente de batalha, como toupeiras de um buraco: um, dois, três, quatro, zác, zác, zác, zác.

Com o esforço de tanta coordenação rítmica, como é que se pensa em morte, mesmo que se corra de frente para ela?

Peças de máquinas, moléculas de fluxo, por todo o lado se vê homens e mulheres a formar correntes, como átomos em linhas de água.

Um tiro e os homens da linha da frente saltam sobre o arame farpado, disparando as espingardas. Alguns caiem, outros continuam.

A senhora com o seu cãozito, a beber chá em chávenas de prata no jardim, muito satisfeita e orgulhosa. Quando se levanta, dois criados saltam de trás de um arbusto para levantar a mesa, enquanto ela se afasta com o cão.

Os aristocratas suando em bica para dançar a mazurca, batendo os pés contra a madeira do convés de um paquete de luxo, e as gordas senhoras muito brancas, transpirando nos fru-frus de rendas esvoaçantes.

Mas o que é curioso é como o aspecto geral das coisas não muda quando chega a revolução.

São as mesmas paradas, os mesmos rios de gente atordoada, as mesmas fanfarras.
Em vez de bandeiras, tablóides. Em vez de um rei-fantoche vestido de trapos de luxo e de crachás preciosos, um líder de carne e osso a contagiar multidões de esperança (Lenine, com uma força de contágio absolutamente espantosa).

Alguma ebriedade, nos rostos, é o aspecto dessa esperança.

Mas tudo parece igual, em termos de imagem geral sem definição ou explicação histórica. Um chefe e os seguidores. Armas. Poderes. Lobbies. Capitalistas e burgueses aproveitam a revolução a seu favor, enquanto se decapitam os príncipes.

As multidões partilham a mesma miséria, o mesmo espanto.

Um exército um pouco mais sóbrio, menos pomposo, menos rígido... Mas ainda uma máquina de guerra.

É o que gritam as imagens do filme mudo.
 
Desaparece o hieratismo, mas as forças de poder parecem as mesmas. Trocam-se as cadeiras, como num velho jogo.