Sonho CCCXV
Este sonho era um debate de vozes interiores. Este sonho era apenas escrita, nunca tive um sonho assim. Não havia gente nem drama no meu sonho, mas o assunto era trágico. Eu apenas sonhava que pensava. Pensava em como as ideias e as crenças definem os seres humanos, isto é, a própria essência de se ser humano. "Crescei e multiplicai-vos." Disseram um dia os judeus, dando voz indirecta ao esplendor que se capta na infância. E o que se fez disso? O que se fez disso cobre todo o espectro que vai do paraíso ao inferno. A psicologia fala de desejo, de vários tipos de desejo (tanto para escrever sobre o desejo). E o que se faz disso? Espinosa, o mais lúcido de todos, falou de connatus - a alegria de perseverar na própria essência, de estar ligado a sim mesmo, ao mais íntimo de si mesmo. Mas como emergem as essências singulares, no meio de tanto ruído, ameaça, medo, dependência, caos e pressão social? A liberdade absoluta é apenas a das nossas ideias, mas mesmo essas ideias estão reféns, desde o início, de mil armadilhas, auto-ilusões, mentiras. Há quem nasça logo sob o selo da sua própria morte. A consciência aguda da morte traz de chofre o sem-sentido da vida. Para quê? Viver uma vida sem sentido, para quê? Enfrentar o caos, a violência, o sofrimento e todas as inumeráveis ameças da vida infernal e turbulenta, para quê? A esses, se querem ficar de pé, cabe inventar o seu "para quê". Descobrir a sua humanidade, ponto por ponto, a partir do zero. Esse zero não é um entretenimento ou uma manobra de diversão para passar o tempo. Não é uma morte adiada, na qual se procura acima de tudo algum conforto, segurança, divertimento e ócio, ou o esquecimento dessa decadência aguda e do golpe fatal, incontornável - por exemplo, alguma forma de anestesia, nas quais somos de uma criatividade pródiga. Chamo-lhe Deus, não encontro outro nome, mas devia encontrar. Vida. Força maior. Universo. Consciência plural, inimaginável. Penso no Solaris de Tarkovski. O planeta telepático, que os cientistas queriam destruir. Uma outra forma alienígena de consciência, muito superior à nossa. Quantas formas de consciência no infinito? Que ideia poderíamos compor assim, de Deus? Há um terror inato na contemplação da ideia de universo. No meu sonho escrevia mais, mais, mais. E pensava mais, mais, mais. Cada frase produzia um livro infinito.
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