Trégua


Tinha dois animalzitos na mala, muito pequenos. Que animais seriam? Pareciam ser daqueles que as crianças adoram com paixão, desvelo e alegria. Gatitos, coelhos, ratinhos da Índia? Não tinha maneira de ver porque atravessava um enorme abismo, numa ponte. Mas não era uma dessas pontes antigas de lianas. Era uma estrutura frágil, composta por pequenas grades e ferros, qualquer coisa muito mal improvisada e instável. A razão porque me tinha metido ali, naquele sítio tão perigoso, era algo que desconhecia. De repente, toda a estrutura abanou, e fiquei totalmente imóvel com o terror. Gritei, mas, quem estava a ver, riu-se. Não havia maneira de obter socorro. Não conseguia dar meia volta, por isso comecei a andar em marcha atrás, como se fosse um carro. A cada passo a estrutura cedia, caíam bocados, e era impossível ouvir o ruído que faziam ao cair, de tal modo o fundo era distante. Avancei passo a passo, de costas, em silêncio total, agarrando a mala com toda a força, para salvar os animaizitos. Quando cheguei ao fim, estava em chão firme, mas tinha a mesma sensação de queda e vertigem, como se estivesse na ponte. Não conseguia parar de gritar. "Agarrem-me!" Era o que gritava, repetidamente. Precisava que alguém chegasse e me segurasse nos braços, para exorcizar aquele terror, mas, com o medo do contágio da nova doença, ninguém fazia isso. Todos passavam ao largo. Gritei durante muitas horas até não ter voz e ficar num tal estado de exaustão que caí de joelhos e adormeci de cansaço ali no chão, ali mesmo onde estava.