Sobre a porosidade involuntária da identidade linguística

Sonho CCXXXVIII

 
Há pessoas assim, como esponjas.
 
Mesmo sem querer, ganham logo o sotaque de quem está perto de si.
 
Numa mera conversa de circunstância, a elegante e sofisticada senhora, que fala português do Brasil, exclamou, enquanto subíamos no elevador:
 
- Que corte radical, hem?
 
(Ki cortchi radicau, hem?)
 
E logo eu, fazendo um esforço para pelo menos manter o sotaque do português europeu:
 
- Cansei!... Agora não tem trabalho nenhum mesmo... Você só penteia no banho... Chegou um dia, me olhei no espelho, tudo arrumadinho, e pensei: «Nossa!... Que pessoa é essa?...»
 
Um fenómeno surpreendente, a porosidade involuntária da identidade linguística.