Contraponto para Isabel Aguiar (12) - algumas palavras sobre o amor

 
Fugir de casa é muito difícil. Precisávamos de uma casa que não nos oprimisse e onde o espaço fosse em excesso. Foi a casa que inventei. Pensámos que nela poderíamos reinventar o amor. Todos os tipos de amor. O amor entre nós, os amigos, e a paixão, o amor sexual. O nosso fracasso foi absoluto. De um certo ponto de vista, sofremos todos de um excesso de sensualidade, a Maria do Mar, a F. de Riverday, a Françoise M., o Orlando I, o Artur B., o António e eu. Claro que esta expressão - excesso de sensualidade - pode gerar um infinito mal-entendido, simplesmente porque a visão da sensualidade nos tempos que correm se prende (como aliás acontece na maioria dos assuntos) com um rol de estereótipos e banalidades. O ar é irrespirável nos tempos que correm. As ideias e os comportamentos são de uma pobreza feroz, ofuscante. Os códigos chegaram ao estado de uma penúria confrangedora e perderam parte do significado, por exemplo, para nós, tornaram-se incompreensíveis. E as ideias gerais sobre o amor sofrem do mesmo mal, da mesma doença contemporânea da produção em série e dos conceitos massificados. Pode observar-se frequentemente uma rudeza, por vezes uma alarvidade, no tratamento entre os sexos, uma mudez doentia na abordagem do desejo. Os clichés repetem-se até à exaustão total, até que ninguém tenha mais nada para dizer. Talvez por isso o amor para nós tenha sido sempre um desastre. Éramos como bólides desgarrados, elementos sem par. Concordámos porém numa coisa. Pareceu-nos que Jesus e Espinosa foram quem mais avançou no campo amoroso, ainda que com revoluções mal compreendidas e por cumprir. É verdade que fomos forçados pelas circunstâncias desfavoráveis a viver mais o amor e o sexo na imaginação do que na prática. Talvez seja triste - ou talvez não. Talvez nesta ruína tenhamos preservado esse pequeno brilho de uma precária e breve inocência - e de uma certa falta de prática, irremediável. Mas não vamos dizer muito mais, porque o que há para dizer dá trabalho para muitos livros. Sabíamos que a situação se estava agudizando. O amor e a sua expressão e realização sexual, ou não, serão ainda os elementos pilares de um romance a vir. Há nisto, não há dúvida, uma urgência. A revolução urge. Estamos a dar pouco ao mundo, em relação ao que nos foi dado. É sempre pouco, pouco, pouco. E a angústia é tremenda.