O último segundo

Sonho CCXCII



Era uma história inaudita, mas verdadeira.

Uma engenheira, totalmente sozinha, tinha construído um foguetão com recurso a uma estratégia de crowdfunding.

O foguetão era muito giro, aos quadrados brancos e vermelhos.

A mulher montou-se nele e disparou pelo céu fora mas, como não era um grande piloto (segundo algumas opiniões), ou porque tivesse construído um foguetão demasiado potente, na altura de aterrar, aterrou com tanta força que a terra abriu uma fenda e se partiu ao meio.

Cada metade da terra desatou a rolar pelo cosmos, como duas metades de uma chávena que cai no chão e que saltitam até que a inércia se instale.

Parecia uma segunda versão em acto da expulsão do paraíso.

Não é que a mulher tivesse trincado uma maçã, mas, graças a isto, nós, os sobreviventes da humanidade, deambulávamos cada grupo por uma metade da terra rolando no universo, ao deus-dará.

No jardim do Casino Estoril, caíam grandes pedregulhos cinzentos do céu desconhecido. Não eram parecidos com nenhuma pedra que tivesse sido jamais vista à face da terra. Não sabíamos o que fossem, nem quantos minutos de vida teríamos ainda para rolar assim através do cosmos incógnito, mas, pelo sim pelo não, eu e todas as minhas crianças esgueirámo-nos para debaixo dos automóveis, para nos protegermos dos pedregulhos.

Parecia que os pedregulhos, afinal, eram leves como pedra-pomes.

Quando achei que tínhamos uma brecha, dei-lhes ordem que corressem em direcção ao Deck. As crianças desataram a correr e eu corri por último, para ajudar quem caísse, mas ninguém caiu: salvámo-nos todos.

No Deck havia duas portas - teríamos de seguir por uma delas.

Não fazia a mínima ideia de qual fosse a melhor escolha, nem tinha meios para decidir, mas, como não podíamos ficar ali, tínhamos de tentar qualquer coisa.

Se tomássemos o mau caminho, seria um doloroso e triste arrependimento o resultado. Se tomássemos o bom, quem sabe nos alegrássemos. 

Avançámos.

Talvez tivéssemos apenas uns minutos de vida. Talvez tudo explodisse no minuto seguinte. Talvez de repente toda a ordem das coisas conhecidas se revolucionasse de um modo inesperado e impensável e nós viéssemos a habitar um novo mundo... quem sabe?...

Era preciso ficar de pé e lutar até ao último segundo.