O que sentimos e o que fazemos

Sonho CCLXXX


 
Era dia de desfile e as pessoas agitavam bandeirinhas para ver a parada do aparelho de estado passar.
 
A parada era composta por um urso, um saltimbanco e um soldado.
 
Marchavam muito sérios, com muita pompa.
 
«O aparelho de estado é uma farsa.» - pensava Anaïs. - «Como podem estar tão contentes?...»
 
De repente, a meio da marcha, o soldado tropeçou e caiu.
 
O soldado era uma rapariga disfarçada de rapaz.
 
Toda a gente começou a rir, mas o soldado parecia estar a morrer com um ataque de coração.
 
Anaïs começou a sentir-se muito mal, mas não conseguia parar de rir.
 
Ninguém se mexia e todos riam a bandeiras despregadas, porque era tão cómico que um soldado tivesse caído, no meio de um desfile com tanta pompa e fanfarra, ao lado de um urso e de um saltimbanco.
 
Apesar de continuar a rir, Anaïs correu para o soldado para tentar salvá-lo e ficou extremamente aliviada ao verificar que não era nada de grave e que tudo se iria resolver.
 
Na verdade, Anaïs ficou mais aliviada por si do que pelo soldado, porque não queria que nada de mal lhe acontecesse enquanto estivesse a rir.
 
«Como a alma humana consegue ser pequena!...» - pensou Anaïs, a propósito da sua própria alma.
 
Esta pequenez talvez fosse só a preparação para todas as crueldades de que afinal somos capazes.