O mar e as lágrimas

Sonho CCLXXXII



Era uma casa à beira-mar, com um grande alpendre sobre a praia.
 
Eu amava perdidamente aquele mar e a areia ardente, o calor do sol, as ondas e o cheiro intenso da água do mar.

Estendi a minha toalha sobre uma espreguiçadeira, para poder apanhar banhos de sol e mergulhar.

Queria ficar muito quente e entrar depois na água gelada, lentamente.

A resistência das ondas, os mergulhos e os saltos na espuma, a água fria e a luta contra as correntes, isso era o que mais apreciava.

Nesse dia porém o mar estava demasiado selvagem.

Havia ondas com muitos metros de altura.

As ondas começaram a aproximar-se da casa e, como um fogo de artifício, encheram de uma chuva de espuma o alpendre.

Ficou tudo molhado e, sem que ninguém se apercebesse, aproveitei para chorar.

Ninguém dentro de casa poderia perceber que chorava, nem porque chorava.

A casa tinha três piscinas.

Uma piscina interior ao lado de um ginásio, uma piscina exterior aquecida e uma piscina normal.

Não gostava de piscinas, muito menos de nadar em água quente como sopa.

Aliás, nenhum desses requintes contribuía em nada para a minha felicidade.

As piscinas talvez pudessem ser úteis para dar banho aos cães.

A casa tinha muitos quartos, muitos dos quais não conhecia.

Cada quarto tinha pouquíssimos móveis e estava decorado com uma sobriedade invulgar e, ao mesmo tempo, com uma delicada fantasia.

Quem seria o espírito tão original e fora do tempo que tinha composto aqueles ambientes tão suaves?

A maioria dos móveis e gavetas estava vazia.

Não era Lampedusa que dizia que, se conhecermos todas as divisões do nosso palácio, então não é um palácio?

O mesmo se poderia dizer da nossa alma.

Deambulava pelos quartos e descobria que apreciava especialmente um.

Era um pequeno quarto de paredes azuis muito escuras e duas portas lacadas de branco, sem janelas, com uma elegante cama alta de solteiro, em estilo neoclássico.

Respirava-se ali uma grande paz.

«Tenho de vir dormir aqui.» - pensava eu.

Sobre a cama estava um tabuleiro que tinha muitas cascas de maçã.

Certamente, alguém estivera ali a comer maçãs.

As ondas eram tão grandes e avassaladoras.

Não havia nada que se pudesse fazer.

No alpendre todo inundado, as lágrimas deslizavam no meu rosto, misturadas com o sal do mar.

Há dores que parecem estrelas a nascer, ou coisas a vir à luz.

Nunca se saberá o que se produzirá a partir delas.

E eu perguntava:

- São assim tantas, as minhas lágrimas?