Os mortos morreram,
mas todos os mortos estão vivos.
Quem diz que morreram os mortos?
Estão por toda a Terra
as almas dos que partiram.
Não falam:
é como se falassem.
Delírio?
Podem chamar delírio
à luz que arde.
Chamem delírio às sensações
de que os mortos nos velam para sempre,
para sempre, para sempre.
Alguns mortos partem velozes,
não sei por onde.
Mas outros ficam atados à vida,
como se fossem as lágrimas
com que nos atamos a eles.
Alguns têm a delicadeza
de se fazer presentes nas auroras,
na luz que atravessa as folhagens,
não se enganem:
os mortos estão por todo o lado,
por todo o lado, por todo o lado.
Dos mortos, só conheço,
para já, esta teimosia de existir.
Então que desçam sobre nós
os anjos da terra -
(chamemos-lhes assim).
Porque velam estes por nós?
Terra de provas e expiações,
terra da dor e da tortura,
terra que és mais paraíso
do que qualquer ideia de paraíso.
Terra dos frutos perfumados,
da maravilha das cores,
das luzes ardentes
e das árvores em chamas.
Terra, terra, terra.
Terra que és mais inferno
do que qualquer ideia de inferno.
Terra do ódio que refina a tortura
e onde a liberdade, para o bem
e para o mal - não tem freio.
Acolhe tu, terra infinita,
o exército de amor e paz
e que as hordas dos bons espíritos
nos ensinem a nós que vivemos
como se a morte viesse pôr um fim a tudo,
guerra ou abundância,
boa-ventura e desventura,
como se a morte trouxesse a tudo
o selo da indiferença
e a vantagem do hedonismo -
quem diz que as almas não têm corpo,
nem formas de locomoção?
Como é pobre a arrogância
da nossa falta de imaginação!...
Que as hordas dos bons espíritos
nos inspirem uma única coisa:
simplicidade.
Delírio?
Por onde vão os mortos,
se não vão por aqui?
Por aqui, por aqui por onde estou?
Terra. Céu. Universo.
Espaço entre o que conhecemos
e o que não conhecemos.
Delírio?
A presença muda dos mortos
também é uma espécie de fala.
Ela diz:
- Que façamos da nossa vida
a criação revolucionária
de uma nova bondade.