Criei esta imagem com recurso à inteligência artificial. Não me satisfaz inteiramente, mas é um ponto de partida para uma tarefa de imaginação. Comecei por pedir ao Gemini a imagem de um labirinto a preto e branco e a máquina deu-me um labirinto bastante inócuo e desinteressante, quase asséptico e, na verdade, artificial. Pedi então que o transformasse segundo o estilo de Escher. Surgiu uma coisa mais interessante e, curiosamente, sem o espírito de Escher. As escadas estavam orientadas segundo uma perspectiva normal, ainda que não conduzissem a lado nenhum. As pessoas pareciam manequins. Era uma coisa quase inerte, nitidamente uma cópia, uma inspiração pobre. Pedi então à máquina que acrescentasse algo de incompossível à imagem. Nesse momento, tive a clara sensação de não ter sido compreendida, mas foi igualmente interessante porque a máquina "varreu" a imagem e a impregnou de um sentido abstracto que me desagradou profundamente. Digamos que a imagem estava ainda mais morta. Percebi que me faltava qualquer coisa que não sei definir e que talvez fosse uma solução para aquela sensação de ausência de vida na imagem, uma solução que passaria por um aspecto medieval, por qualquer coisa afim de uma alma medieval, anti-moderna. Pensei em Tarkovski. Pedi então ao Gemini que recuperasse os passos anteriores e que desse à imagem um aspecto medieval e o resultado foi bastante surpreendente, fiquei contente.
O conceito de mosteiro interior inventei-o a partir de um outro conceito muito antigo, o de "palácio da memória". Cícero fala deste método no seu De Oratore. Sempre achei o conceito fascinante, embora nunca o tenha colocado em prática. Mas eu própria em criança tinha o hábito de criar espaços imaginários, cujo mapa memorizava e onde tinha o hábito de brincar. Eram espaços muito complexos que multiplicavam o espaço real em muitas camadas, divisões e andares, tal como o labirinto desta imagem, que talvez por isso me tenha agradado. Desde muito jovem senti um grande fascínio com o que imaginei ter sido a vida dos primeiros monges, cristãos revolucionários que se uniam num propósito comum, principalmente um fascínio com a vida daqueles que anonimamente trabalhavam nos campos, rezavam nas horas marcadas pelo toque dos sinos, estudavam nas bibliotecas, pintavam iluminuras e serviam na sua comunidade, instruindo e cuidando. Também é verdade que muitas vezes imagino que é possível que eu mesma tenha sido uma monja numa qualquer outra vida e que essa talvez tenha sido uma vida especialmente pacífica e feliz. Não sei porque me visitaram tão cedo estas estranhas ideias, que até para mim mesma foram e ainda são estranhas. Mas como não existe na sociedade actual um mosteiro no qual me pudesse integrar, inventei este conceito, como modo de sobrevivência.
Não se trata de um simples conceito que sirva apenas uma experimentação abstracta, de pensamento ou de colocação de hipóteses. Na verdade, trata-se de um conceito habitável e trata-se de uma maneira de viver. Trata-se de viver uma vida para Deus, mas esse Deus não é o de nenhuma religião, é um pensamento singular e uma experiência em constante movimento e expansão, na verdade, é como um processo de amplificação da consciência pela acção e por uma prática que é quase uma técnica. Diríamos que essa técnica é muito específica e composta por certa espécie de disciplina e por vários elementos insignificantes e concretos que por vezes se podem traduzir em epifanias. Os pensadores mais importantes e que me ajudaram a dialogar com este pensamento e com estas descobertas e acontecimentos foram Kant, Espinosa, Dostoievsky, Tarkovski e Jesus. As duas experiências mais importantes foram a do esplendor, na dança e na natureza, e a da oração sem palavras, na execução e na leitura da música de Bach para teclado, ao piano. Uma terceira experiência radical foi a de definhar, na separação de Deus.
Tudo isto está dito de forma extremante sucinta e praticamente incompreensível. Na verdade, cada uma destas frases poderia produzir um livro. A ideia de ser como um invisível monge moderno, lutando de algum modo pela paz e pela liberdade por meio de uma técnica específica, mas em movimento, a ideia de se ser, de algum modo, missionário, mas de um modo invisível, esta ideia exige, para ser bem explicada, um longo desenvolvimento. Todos os espaços percorridos no mundo são espaços duplos do mosteiro interior, como se o mundo se espelhasse na alma à maneira de um templo. Por exemplo, pode parecer pouco compreensível que o esplendor se sinta na dança e na natureza, mas de facto essa percepção do esplendor consiste numa sensação, por um lado, do impacto monumental da luz e das cores, uma sensação que traz de um golpe a percepção da grandeza e da infinitude do espaço, e, por outro lado, de um movimento transcendental do corpo que se abre para fora de si numa espécie de voo ou transparência infinitesimal. E quando digo que Deus é um pensamento singular, obviamente não estou a dizer que Deus seja apenas um pensamento; da mesma maneira que o universo não é apenas um pensamento e da mesma maneira que eu não sou só um pensamento, sou um ser vivo no tempo e no espaço, porventura ocupando ainda várias outras dimensões de que não me apercebo.
Por outro lado, também não quero dar a entender que é "menos" ser pensamento e que é "mais" ser real, isto é, existir. Neste ponto estou com Espinosa, que vê pensamento e extensão (isto é, espaço e tempo) como dois atributos de uma substância eterna e infinita que tem infinitos atributos. Compreendemos melhor a ideia de Espinosa, na nossa visão moderna, se trocarmos o termo "atributo" por "dimensão". Então podemos imaginar uma substância eterna e infinita, universo ou Deus, como um conjunto infinito de dimensões nas quais a nossa existência opera um "corte", extraindo dessa multiplicidade duas dimensões: pensamento e extensão, na forma de espaço-tempo. Não é que estas duas dimensões, por serem apenas duas, sejam falsas ou distorcidas. Elas são vivas e reais, são um corte do infinito. E ainda que o universo como totalidade ou infinitude seja possível de compreender como ideia (nomeadamente como ideia da razão pura), mas impossível de perceber como realidade, isso não quer dizer que o universo como realidade não exista. Mas a percepção e a consciência de Deus como realidade, contudo, pertencem àquele domínio dos actos de fé e das experiências que não são partilhados de um modo universal por todos os seres humanos.