A F. de Riverday regressara a casa dos pais, mas preferia, em vez do seu quarto, o quarto das visitas.
Esse quarto lembrava-lhe o quarto de Andrei Gorchakov, o poeta russo no filme «Nostalghia», de Tarkovski.
As paredes caiadas tinham aquela superfície irregular e havia muito espaço, muito espaço vazio, o que lhe agradava sumamente.
A F. de Riverday desceu as escadas e verificou que a sua avó estava viva e queria usar um vestido de seda preta que era seu quando tinha dezassete anos.
«Já não podemos usar esse vestido. Esse tempo já passou.» - dizia a Riverday.
Toda a casa estava em obras e F. de Riverday pensava, a propósito de uma máquina de afagar o chão que lançava no ar tremendas nuvens de pó que, se fosse uma mulher a ter inventado aquela máquina, concerteza teria também inventado um balão para recolher o pó e não sujar a casa.
A Riverday tinha um pires numa mão, o último sobrevivente de um antigo serviço de chá que primava pela delicada e brilhante composição de cores - uma elegante e apertada filigrana de ouro sobre um fundo branco, com minúsculos e indefinidos botões de flores vermelhas, aqui e ali.
A F. de Riverday dizia, com profunda tristeza:
«Foi bom que este serviço ficasse para mim - mas eu consegui destruí-lo quase todo.»
Ao que o seu pai, habitualmente mudo e ausente, de um modo inusitado lhe respondia:
«Conseguiste dizer um coisa positiva. Agora corta a segunda parte - e continua.»
A F. de Riverday olhava-o, perplexa.
A verdade é que tudo lhe caía das mãos, naquela casa.
Ou seria intrinsecamente desastrada - ou andava sempre uma pilha de nervos, naquele ambiente doméstico.
Como livrar-se dessa ansiedade perpétua, que não a deixava respirar?
Nada de positivo lhe ocorria.