Sonho LXXXV
À Maria do Mar tinham-lhe pedido
que realizasse uma tarefa que a deixava bastante insegura.
Pintar em cima de
azulejos do século XVIII um texto da sua autoria, num monumento antigo e
grandioso.
A Maria do Mar preparava um
conjunto de frases, mas sentia-me atemorizada.
Escrevia por isso primeiro com
carvão, na sua letra inclinada, desenhando em grande as palavras gigantes, mas
leves.
O texto ficava quase transparente,
sobre as cenas azuis e brancas dos azulejos antigos.
Nessas cenas pintadas a azul e
branco havia colinas, cavaleiros, moinhos, aldeias, árvores, castelos,
caravelas e mar.
No momento em que desenhava essas
grandes palavras (o que era uma espécie de ensaio), a Maria do Mar conseguiu perceber
porque é que a tarefa lhe fora pedida.
Qualquer coisa valia a pena naquelas
palavras sobre as paisagens, com as linhas que as atravessavam, intensamente.
«Curioso.» Pensava a Maria do Mar.
Escrever a carvão dava-lhe algum
conforto e segurança, porque assim podia perfeitamente apagar o que já tinha
feito.
A Maria do Mar estava em cima de
um escadote, de carvão em punho, e via que as pessoas que passavam se
esforçavam por ler aquelas letras quase apagadas, ficando depois maravilhadas,
quando conseguiam ler.
Aquilo surpreendia-a muito, mas,
como tinha aquele trabalho para fazer, também lhe dava alguma coragem.