A Françoise estava na sua antiga faculdade, onde em
tempos estudara, e à sua frente estava uma rapariga fascinante, que todos pareciam admirar.
O seu corpo era tão brilhante e com um aspecto tão
escorregadio, por causa das roupas sofisticadas muito coladas à pele, que ela
parecia um peixe.
Os cabelos negros muito lisos e brilhantes caiam-lhe
sobre os ombros, cintilantes, e toda ela fazia lembrar um tubarão, tal era o
seu poder.
«Que ridícula que és!...» Disse Françoise a si própria, ao lembrar-se das suas fantasias de grandeza. «Como
poderias equiparar-te a um tal animal?»
Sentiu-se tão vexada ao apercerber-se da sua falta
de sentido da realidade que procurou escapulir-se discretamente.
No entanto, parecia que o planeta era aquele mesmo planeta do
futuro que se repetia em tantos dos seus sonhos, esse planeta em que todas as
casas são subterrâneas e em que parece viver-se em estado de guerra ou de
catástrofe eminente.
Françoise M. via ao longe Heinrich Hart, por quem
estivera tão apaixonada, mas era fácil aperceber-se de que ele só tinha olhos
para as poderosas raparigas.
É que a primeira rapariga, escorregadia e brilhante
como um peixe, pertencia a um grupo de jovens que eram todas parecidas entre
si, como uma matilha de lobos ou um batalhão de amazonas.
E à pobre Françoise inspiravam-lhe todas medo, pela
sua força evidente.
De súbito, porém, a Françoise viu em jorros o sangue
correr pelo nariz de uma destas raparigas e, logo de seguida, viu também o
sangue a correr em jorros pelo rosto daquele que ela tinha amado.
Instintivamente, levou a mão direita ao seu nariz,
para ver se o sangue também corria, e pensou: «É uma doença... Se calhar já
estamos todos contaminados...»
Reparou então que estava espalhado pelo chão muito
escuro, nos cantos, um líquido verde que alastrava como uma mancha de petróleo
no mar.
«É aquilo... Temos de fugir antes que seja
tarde!..»
Françoise olhou para a sua mão direita que estava
cheia de sangue e preparou-se mentalmente para
morrer.
«A vida é só isto.»
Os elevadores que a poderiam levar à superfície estavam
já atulhados de gente que se esmagava em pânico e por isso teria de utilizar um
elevador daqueles que ninguém usava porque serviam apenas para o lixo e para as
mercadorias.
Quem a compreendeu de imediato foi um outro homem
que era afinal o mais perspicaz desse grupo.
«Precisamos deles como quem viaja de carro e precisa
de encher o depósito, mas os juízos morais são das coisas mais voláteis deste
mundo.»
Era o que pensava a Françoise enquanto se metia dentro de um
contentor em conjunto com esse que afinal era muito diferente do que julgara.
Nuno Maria 2015 |