Julgava que tinha os cabelos compridos, mas afinal estavam muito curtos.
«Como podem estar tão curtos?»
Uma combinação entre dois espelhos mostrava-me que atrás da minha cabeça os cabelos estavam muito mais curtos do que poderia alguma vez imaginar.
«Eu que pensava que tinha os cabelos compridos, e afinal estão curtos!...»
No livro que tinha na mão, podia ler-se uma única frase:
«Se estou no meio do caos, devo elaborar uma pergunta que me salve do caos?»
Era Descartes, concerteza. Mas qual das meditações?
Não seria a primeira, essa em que se afirma que ninguém pode decidir com absoluta segurança se está a dormir ou acordado.
Também não seria a segunda, onde, depois de colocar a hipótese de um Deus enganador e malicioso, Descartes começa a duvidar da existência do corpo, do espírito e de todas as coisas que para si se apresentavam como existentes.
Descartes observou que, no meio do caos gerado pelas suas dúvidas, pelo menos sobrava o acto de duvidar.
Foi por isso que escreveu a famosa frase: «Penso, logo existo.»
Certas frases têm este destino. Adquirem ressonâncias profundas, magnéticas ou de mistério, e espalham-se pelo mundo correndo de boca em boca.
Tão frequentemente amputadas do seu meio natural, atraem ou intrigam muita gente com o que têm de improvável e exótico, como uma pena de papagaio pendurada da orelha de um urso, numa montanha gelada da Noruega.
Neste caso porém a pobre frase era só uma tábua de salvação para quem sobrou apenas a actividade de duvidar e era preciso salvar a existência, mesmo que esta fosse inteiramente passada a dormir.
Sim, não há dúvida de que o meu livro de uma única frase pertencia a Descartes, mas porquê?
Porquê Descartes - e não outro qualquer?
No meio do caos, coloca-se a hipótese de salvação, por meio de uma pergunta.
Mas pergunta-se: «Devo elaborar uma pergunta?»
No espelho também podemos contemplar os nossos corpos, enquanto fazemos amor.
A intensidade multiplica-se só porque nos olhamos do exterior, como se fôssemos outro.
O espelho traz-nos várias surpresas, cada uma num pólo oposto.
Por um lado, os cabelos curtos.
Por outro lado, o prazer multiplicado.
Da desilusão, para a orgia, para a confirmação ou para o caos, afinal - tudo passa pela mesma operação.
Um desdobramento.
«Eu que pensava que tinha os cabelos compridos, e afinal estão curtos!...»
No livro que tinha na mão, podia ler-se uma única frase:
«Se estou no meio do caos, devo elaborar uma pergunta que me salve do caos?»
Era Descartes, concerteza. Mas qual das meditações?
Não seria a primeira, essa em que se afirma que ninguém pode decidir com absoluta segurança se está a dormir ou acordado.
Também não seria a segunda, onde, depois de colocar a hipótese de um Deus enganador e malicioso, Descartes começa a duvidar da existência do corpo, do espírito e de todas as coisas que para si se apresentavam como existentes.
Descartes observou que, no meio do caos gerado pelas suas dúvidas, pelo menos sobrava o acto de duvidar.
Foi por isso que escreveu a famosa frase: «Penso, logo existo.»
Certas frases têm este destino. Adquirem ressonâncias profundas, magnéticas ou de mistério, e espalham-se pelo mundo correndo de boca em boca.
Tão frequentemente amputadas do seu meio natural, atraem ou intrigam muita gente com o que têm de improvável e exótico, como uma pena de papagaio pendurada da orelha de um urso, numa montanha gelada da Noruega.
Neste caso porém a pobre frase era só uma tábua de salvação para quem sobrou apenas a actividade de duvidar e era preciso salvar a existência, mesmo que esta fosse inteiramente passada a dormir.
Sim, não há dúvida de que o meu livro de uma única frase pertencia a Descartes, mas porquê?
Porquê Descartes - e não outro qualquer?
No meio do caos, coloca-se a hipótese de salvação, por meio de uma pergunta.
Mas pergunta-se: «Devo elaborar uma pergunta?»
No espelho também podemos contemplar os nossos corpos, enquanto fazemos amor.
A intensidade multiplica-se só porque nos olhamos do exterior, como se fôssemos outro.
O espelho traz-nos várias surpresas, cada uma num pólo oposto.
Por um lado, os cabelos curtos.
Por outro lado, o prazer multiplicado.
Da desilusão, para a orgia, para a confirmação ou para o caos, afinal - tudo passa pela mesma operação.
Um desdobramento.