A Françoise, ao pendurar-se de uma varanda antiga em ferro forjado (já não sabemos porque motivo), caíra e, com o seu peso, arrastara parte da varanda consigo.
A Françoise, apenas com a ponta dos dedos, conseguira segurar-se.
Não seria por falta de força, mas porque o seu peso arrastava a frágil varanda, ainda presa à parede por finos cabos de ferro, que a Françoise sucumbiria.
Não seria por falta de força, mas porque o seu peso arrastava a frágil varanda, ainda presa à parede por finos cabos de ferro, que a Françoise sucumbiria.
Admirava-se com a força que tinha nas mãos, agora que se tratava de agarrar-se à vida.
Na hora de tocar os estudos de Chopin tinham-se revelado muito mais frágeis.
A Françoise gritou:
«Socorro!...»
Mas ninguém reparou.
A Françoise continuou a gritar, a intervalos regulares, mas com uma contenção e premeditação inacreditáveis.
Tinha medo que o esforço de gritar pusesse em causa o frágil equilíbrio da varanda e dos ferros que ainda a ligavam à parede.
Por fim, um dos transeuntes olhou para cima e reparou no que se passava, quase caindo ao chão com o susto.
Logo se mobilizou toda a gente.
Uns telefonavam, outros corriam, outros gritavam, outros ainda chamavam uns pelos outros.
Um homem enorme, um daqueles brutamontes que nos filmes de Chaplin fazem parecer o Chaplin ainda mais pequeno e efeminado, colocou-se debaixo da varanda, mas um pouco afastado.
- O que é que você está aí a fazer? - perguntou-lhe a Françoise.
- Estou à espera que você caia, para poder apanhá-la. - respondeu ele.
- Assim não consegue. - explicou-lhe a Françoise. - Está muito longe para conseguir apanhar-me.
- Não tem importância. - ripostou o gigante. - Quando você vier a cair eu dou um passo à frente e apanho-a.
Apesar da sua posição precária, a Françoise não conseguiu deixar de se sentir irritada com este excesso de confiança.
Os ferros tinham cedido e a varanda já caíra um pouco mais, mas a Françoise, apesar de estar um pouco mais perto do chão, continuava bem segura pela ponta dos dedos.
Se caísse, não estava suficientemente em baixo. Ainda era a morte.
A Françoise viu com alegria uma jovem mulher que saía da porta do seu prédio carregando um grande colchão, em grande velocidade.
A mulher colocou aquele colchão debaixo dela e, quando a Françoise caiu, não se magoou.
A mulher era encantadora. Parecia uma bruxa ou uma feiticeira, com um casaco verde. Tinha qualquer coisa de uma antiga pintura fenícia, como uma dessas raparigas pintadas a negro e ocre num vaso elegante, milenar.
A mulher era encantadora. Parecia uma bruxa ou uma feiticeira, com um casaco verde. Tinha qualquer coisa de uma antiga pintura fenícia, como uma dessas raparigas pintadas a negro e ocre num vaso elegante, milenar.
A Françoise sempre suspeitara que tinha uma costela bissexual, e agora confirmava-se a verdade.
Porque ela não queria apenas abraçar e agradecer àquela mulher que a salvara.
Queria beijá-la na boca e casar-se com ela, até à morte.