Sonho CCLXV
Com os pés descalços, tentava fazer uma pirueta inteira sem o apoio da barra.
Para meu grande espanto, fazia, não uma, mas muitas, muitas, muitas piruetas.
Que alegria!...
A avó Edith também não tinha morrido.
Com os seus modos suaves, sugeria aperfeiçoamentos.
«O pé - mais para cima.»
«O joelho - mais para o lado.»
«En dehors!...»
«Abre.»
«Pé em conchinha.»
«Força.»
«Sobe.»
«Cabeça ao alto!...»
Por uma disciplina de humildade, mais do que por ambição, esforçava-me por obedecer a tudo.
Mas dizia:
«Oh avó... É só dançar por dançar...»
O que mais me agradava era aquela sensação de espiral. Uma espiral que se desenrolava ao alto.
E outra coisa que me fascinava era aquele branco. Um branco no pensamento.
Porque aquele impulso que se dava aos pés para girar era tão rápido que era impossível apanhá-lo com o pensamento.
Como é que o corpo dava a volta e sabia onde parar?
Como é que o corpo dava a volta e sabia onde parar?
Ficava um branco na consciência, como um buraco, mas, mais que um buraco, porque um buraco é já alguma coisa, era um intervalo sem conteúdo.
Só se dava por ele porque estava entre e entre.
Como o sono.
Entre adormecer e acordar.
Como o sono.
Entre adormecer e acordar.
Entre uma coisa e outra coisa.
Entre partir e chegar.
Entre ficar de frente e de costas.
«Não podes ser tão egoísta.» - Dizia ela, dobrando mais o meu pé.
Mas não sei como o fazia, no meio da pirueta.
Essa avó sempre tivera poderes desconhecidos.
Onde estava ela agora?
«Se Deus é testemunha, a alegria também vale como acção de graças, não concordas?»
É que a pirueta nunca mais parava, nunca mais parava, nunca mais parava.