Não pertenço a nenhum grupo, a nenhuma
religião.
Tenho pena.
Poderia talvez amar um ritual como uma planta que, se
fosse capaz de amar, amaria a sua raiz.
Mas não pertenço a nada. Estou
sempre de passagem.
Acredito porém que preciso de criar qualquer coisa, em vez
de religião, de outra forma morrerei como todos os que morrem aos poucos.
Preciso de uma nova visão, preciso de um novo pão.
Não desejo que a morte
seja apenas uma comédia com pormenores grotescos, hilariantes e trágicos.
Sem Deus,
ainda que vivamos em abundância, ficamos sempre muito magros ou muito gordos, passamos fome ou comemos até à
náusea, até nos envenenarmos e deformarmos a nós próprios, como que inchados
por maus tratos.
Demasiado pobres, viciados em miséria, ou demasiado ricos,
como ladrões inconscientes, satisfeitos e vaidosos, trabalhamos muito até já
não pensar, como escravos púdicos e embriagados desse prazer de cumprir um
dever.
Cada um, ébrio de si, pode então escolher o íntimo prazer com que
esquecer e morrer.
Baralhos de cartas, substâncias que se engolem, bebem, injectam ou inalam, sexo em série, objectos de luxo, paixões
amorosas, carreiras ou famílias instaladas, e até o que parece bom não deixa de
ser um vício, diminutivo e por fim doloroso e fatal como uma doença, enquanto andamos
desta maneira desvairados, perdidos de deus - os órfãos do infinito.