O rosto é que é a máscara.
É preciso inventar qualquer coisa para poder tirar o rosto.
É preciso fazê-lo depressa, antes que se acabe o tempo.
Colocar chapeuzinhos de sol nos pulsos e nos tornozelos.
Uma saia de palha, como nas tribos da Guiné.
Máscaras rectangulares, como dançarinos do Mali.
Que espanto, o rosto no espelho.
Que estranheza.
Teria três, quatro anos?
Perguntava: é isto?
Esperava talvez que fosse outra coisa.
Koala, tigre, lagarto, borboleta, flor.
Tudo num rosto parece tão desavindo.
Os olhos, o nariz, os dentes, o cabelo, as pestanas, as sobrancelhas.
A boca por dentro. As amígdalas.
Será que conseguiremos um dia amar o nosso rosto?
Em fotografias que já não são as do meu rosto actual,
então de súbito sinto que aquilo era eu.
O tempo voa.
A consciência de ser alguma coisa é sempre desfasada.
Talvez um dia depois de morta
olhe para o meu último rosto muito enrugado e suspire por ele.
Teremos certamente um ou mais rostos por ano.
Talvez a maior estranheza talvez seja não ser outra coisa.
Um pássaro.
Uma chita veloz. Um raio de luz.
Uma pedra. Uma nuvem de pó.
Será a memória filogenética
ou antes a possibilidade de ser realmente qualquer coisa mais plástica?
Uma expressão mais abstracta e acidental da vida?
Talvez a simples sensação de ter sido um embrião no ventre materno
que em tempos abandonou as guelras e em que as mãos,
antes de se separarem os dedos, foram barbatanas.