Sonho CCXCV
Como as estradas à superfície da terra se tinham tornado intransitáveis, havia agora estradas debaixo da terra.
Essas estradas, como os vários andares de um parque subterrâneo, sobrepunham-se umas às outras como folhas de um livro ou placas de massa folhada num mil-folhas.
As estradas de cima, mais perto da superfície, eram apertadas e estreitas e estavam igualmente congestionadas.
As de baixo eram largas, estavam desimpedidas (quase vazias) e nelas circulavam (embora raramente) apenas ambulâncias e carros de pronto-socorro.
Podia ver todas essas estradas em corte, num diagrama que me era apresentado por um engenheiro.
- Por aqui circula-se muito bem. - dizia ele.
Eu circulava por ali, de facto, mas com uma angústia enorme.
Oprimia-me saber-me tão longe do céu e, de certo modo, tão perto do inferno.
Onde estava a minha coragem?
Não era com essa virtude que me arriscava pelo caminho menos percorrido.
Que seria de mim, se a terra tremesse, ou se alguma parede desabasse?
Haverá destino pior do que ser enterrado vivo?
Circulava em alta velocidade, por um desses túneis futuristas, brilhantes e redondos, sem vivalma à vista.
Poderia ser confundida com uma virtude, essa bravura, mas era mais uma mistura de orgulho com não sei que teimosia ou necessidade de experimentar andar por ali naqueles caminhos, com o ponteiro da velocidade no máximo.