Chegava-se àquele cais arruinado por um caminho estreito e escuro, que nunca imaginaríamos que pudesse desembocar no mar.
Esse caminho tinha uma qualidade soturna e opressiva, como se em tempos tivesse morrido ali gente e as almas ainda nos assombrassem os passos, de um modo subliminar.
O meu coração doía difusa e indefinidamente.
Porém, quando se abriu a portinhola que me deixou no cais, suspirei de alívio com a visão do mar.
Quem guardava aquele cais era um príncipe louro que vivia ali como um eremita, completamente só.
O seu palácio era pobre, mas belíssimo.
Tinha apenas duas salas.
A primeira sala dava directamente para o cais como se fosse o balcão de bilhetes de uma estação de comboios.
Dispunha-se em socalcos, separados por pequenas escadinhas de pedra muito gasta. Tinha uma lareira central no segundo socalco, muito bonita, e, a todo o comprido, pequenas janelinhas medievais com arcos sustentados por colunatas.
Dali se via o mar a perder de vista e os barcos que chegavam e partiam.
Uma vez por ano, chegava um grupo de santos que partia rumo ao desconhecido, em silêncio.
Olhei para o príncipe que fitava o mar, sentado numa cadeira, enquanto os santos passavam por nós.
O espaço era pequeno e, sem querer, um dos santos deu-me um encontrão.
Pensei que podia ir com eles, mas não gostava de andar em grupos.
Também não queira ir de catamaran.
Chegou então uma mulher, que ficou a olhar para o príncipe.
O príncipe tinha uns belos cabelos e a mulher, com aqueles cabelos, fez uma trança.
No dia seguinte a mulher voltou e os dois fizeram amor.
Foi assim durante sete dias, e depois disso começaram a conversar.
Ficaram juntos muito tempo, mas um dia a mulher disse: «Ai!... Não tenho filhos!...»
E foi-se embora.
Passado algum tempo chegou um pardal, com uma folha de limoeiro no bico.
Deixou ali a folha do limoeiro, aos pés do príncipe.
No outro dia o pardal voltou e deixou cair uma semente no canteiro da janela.
O pardal não regressou, mas da semente nasceu um limoeiro que deu fruto à razão de mil.
Via-se o limoeiro contra o mar - e o amarelo contra o azul.
Com o tempo, os cabelos do príncipe ficaram brancos. A sua trança ficou completamente branca.
Um dia encontraram o príncipe morto, na cadeira em frente à janela.
Não se percebia se estaria a olhar para o mar ou para o limoeiro.
Veio outro substituí-lo nas suas funções.
Eu não queria ir de catamaran.