Por causa de um desses mal-entendidos que nos podem causar o maior dos constrangimentos, a Françoise M. estava a ser alvo da corte de um fidalgo alentejano, um desses grandes proprietários de gado, que era amigo de seu pai e com cuja filha em tempos apanhara umas terríveis bebedeiras.
A Françoise M. via-se às aranhas para chegar à franqueza sem passar pela indelicadeza ou pela ofensa.
O fidalgo por seu lado exibia a sua propriedade como se de um penacho num chapéu se tratasse.
Mostrava-lhe com orgulho as várias salas e, numa delas, que era oval, quatro plasmas que permitiam ver televisão de todos os ângulos.
- Eu não tenho televisão... - dizia a Françoise, timidamente, com esperança de que isso pusesse a nu o abismo que os separava.
Mas o fidalgo era tão orgulhoso que não conseguia perceber que a Françoise não tinha televisão porque não queria.
Por fim, a Françoise lá conseguiu agarrar um pretexto e fugir dali para fora, de uma vez por todas.
Uma vez lá fora, suspirando de alívio, a Françoise olhou para as linhas de um muro alto caiado de branco, que emoldurava um pátio.
O pátio era inteiramente vazio e o muro inteiramente branco.
A Françoise respirou fundo, no meio daquela brancura, e entregou-se por um momento ao sol.
Aquela simplicidade, sim!... - aquela simplicidade é que não tinha nada a ver com esse excesso de coisas e com as coisas em quadriplicado, que não servem para nada.
- O que basta, basta. - pensava a Françoise.
Não conseguia perceber como é que todos não sofriam com a futilidade e com o lixo que constantemente produziam e, pelo contrário, pareciam tão felizes e satisfeitos com isso.
Se a Françoise não amasse sempre mais as cores do mundo e as estrelas, os animais, os rios e as árvores, esse que tinha desenhado aquele muro, com esse ou com essa é que a Françoise poderia ter uma relação de noivado.