Sonho CLXVIII
A Maria do Mar era ainda bastante jovem e seguia atrás dos pais.
A mãe falava depressa e com charme enquanto contava muitas mentiras, mas, curiosamente, o pai não parecia dar conta de nada, mesmo quando uma velha mentira era trocada por outra, totalmente diferente, e a mesma história contada numa versão incompatível com a primeira.
A Maria do Mar seguia atrás em silêncio, como uma sombra, enquanto os pais davam saltos e corridas em ziguezagues como se fossem loucos ou saltimbancos.
De repente, porém, a Maria do Mar encostou-se num canto com a cabeça contra a parede e começou a chorar.
Dizem que chorar alivia, mas para a Maria do Mar as lágrimas ardiam como fogo e doíam como um ácido que lhe rasgasse o rosto.
Podia ouvir as vozes e os risos dos pais cada vez mais longe à medida que se afastavam. Quando por fim se acabaram as lágrimas, a Maria do Mar estava de joelhos com as mãos no rosto e a testa poisada contra a parede.
Mas os seus dedos continuavam ligados às mãos, e as mãos aos braços, e os braços ao tronco.
E os seus pés estavam ligados às pernas, e as pernas ao tronco.
E a sua cabeça em cima do pescoço, e o pescoço em cima do corpo.
Aquela dor que parecia fender a alma como se inusitados abismos a pudessem separar em mil bocados incomponíveis, essa dor afinal não tinha desfeito o corpo que ela ainda podia habitar como um viajante desfeito e exausto.
Sozinha, ergueu-se, e era como uma rocha no meio do deserto.
Tinha a força de uma rocha no meio do deserto.
Avançou para uma cidade onde se ouvia música em todas as praças e onde, por causa dessa música executada ao ar livre, os animais tinham aprendido a falar.
Os peixes dos lagos e dos tanques falavam uma língua que às vezes parecia russo, outras alemão.
Mas os pássaros, os cães, os gatos e os cavalos também falavam outras línguas distintas entre si.
Que fascinante que aquilo era!
É que os animais pareciam realmente mais perspicazes, assertivos e inteligentes que os seres humanos, nas suas conversas.
Os peixes dos lagos e dos tanques falavam uma língua que às vezes parecia russo, outras alemão.
Mas os pássaros, os cães, os gatos e os cavalos também falavam outras línguas distintas entre si.
Que fascinante que aquilo era!
É que os animais pareciam realmente mais perspicazes, assertivos e inteligentes que os seres humanos, nas suas conversas.