Sobre o mar e a morte

Sonho CCXLIII


Era um dia de tempestade.
 
O mar estava revolto.
 
O hotel tinha vários andares, alguns por baixo do mar e outros sobre o mar.
 
Os andares por baixo do mar tinham vista sobre o fundo do mar e os andares sobre o mar tinham vista sobre o mar.
 
A Maria do Mar não queria dormir num quarto por baixo do mar.
 
Tinha medo das ondas, das tempestades e dos trovões.
 
Os quartos que tinham vista sobre o mar estavam degradados e por isso era necessário pintar todas as portas.
 
- Eu preciso de um litro de tinta. - disse o amigo da Maria do Mar.
 
- Eu preciso de setenta mililitros de tinta. - disse a Maria do Mar.
 
- Isso é pouco. - disse o amigo da Maria do Mar - O que vais pintar com setenta mililitros de tinta?
 
A Maria do Mar tinha horror ao desperdício. Na verdade, pensava esticar a tinta. Ficava doente com a ideia de que podia sobrar tinta e que então teriam de deitar fora o resto da tinta.
 
- É melhor pagarmos a alguém para pintar as portas. - disse a Maria do Mar.
 
- Assim aproveitamos o tempo para visitar os nossos mortos no cemitério. É uma forma melhor de passar o tempo. Muito melhor do que passar o tempo a pintar portas.
 
Sentar-se-iam à beira das campas, ainda que chovesse.

Em silêncio, mas falando interiormente, sem que ninguém de fora desse por isso.