Sobre a diferença entre sexo e amor

Sonho CCXL


 
Numa mesa com um casal e mais duas pessoas, uma rapariga falava das suas aventuras amorosas.
 
Ao que ela tinha achado mais graça, num encontro ocasional a caminho do aeroporto, fora a um comentário do seu amante fugaz, quando começaram no vaivém sobre a cama de hotel:
 
- Será que o carpinteiro construiu bem esta cama? Isto range por todo o lado!
 
Mas os ouvintes estavam chocados com a ligeireza risonha da rapariga.
 
Embora fosse possível que a maioria dos ouvintes não compreendesse a causa da sua perturbação instintiva, na verdade esta devia-se ao facto de que a separação pragmática entre sexo e amor não faz parte da educação habitual das raparigas, embora faça parte da formação comum dos rapazes.

Se uma rapariga sente aquele frisson ou aquelas dores de estômago, de um modo geral ela acreditará que está apaixonada, enquanto um rapaz percebe que se sente atraído.
 
- Essa frase migrava directamente para um romance. - disse eu para consolar a rapariga, que não obtivera o efeito esperado com a sua graça.
 
Ela conquistara de um modo solitário e improvável a percepção da separação entre sexo e amor, mas, com essa conquista (que poderia até ser uma preciosa mais-valia no saudável exercício da lucidez), não se livrara da dupla tragédia paralela que precisamente e  pelo mesmo mecanismo assombra o sexo oposto.
 
Por um lado, a tragédia da leviandade e, por outro, de uma passagem sem saída pelo território mortal da indiferença.

Duas amputações paralelas da sensibilidade.