Sobre a relação flutuante entre a felicidade e a distância

Sonho CCXXII


Podia imaginar-se que este sonho me aconteceu depois de todos os incêndios que grassam na Primavera e no Verão.
 
Mas este sonho aconteceu-me no Inverno, quando não há incêndios.
 
Gostaria de saber que desejo encontraria Freud nos sonhos meramente reflexivos, elocubrativos.
 
Pois é certo que a teoria do desejo nos ajuda a penetrar o sentido opaco de alguns sonhos, pelo menos de um modo provisório.
 
Um desejo de começar a pensar?
 
Eu vivia muito perto do Casino e todas as noites os néons prateados e vermelhos iluminavam a minha sala.
 
A minha casa era apenas uma sala, um estúdio repleto de janelas que não tinham estores que as protegessem da luz.
 
Eu dormia num divã.
 
Saía de noite, sozinha e a pé, mas havia muitas estradas vedadas, com polícia,  por causa dos incêndios.
 
Por todo o lado se entreviam as chamas, mas as chamas estavam longe.
 
Eu queria perceber tudo o que se passava e queria fazer alguma coisa, mas era proibido.
 
Por todo o lado estavam aquelas fitas vermelhas e brancas.
 
Circulava simplesmente por ali, observando tudo o melhor que podia, até me sentir exausta.
 
Quando regressei a casa as pernas doíam-me muito e de um modo agradável.
 
Despi-me e enfiei-me na cama que cheirava a roupa lavada.
 
Senti-me incrivelmente feliz, com o corpo dorido e pesado, nesses escassos segundos antes de adormecer.
 
Como é rápido e fugidio o momento gentil em que nos apagamos!
 
Qualquer drama a uma certa distância não tem um modo seguro de abalar definitivamente a nossa felicidade.