Maria do Mar IV

Fragmento 155


«Desde os doze anos que vejo as luzes como Van Gogh as pinta. Antes dos doze anos, não me lembro. As linhas vivas e angustiadas que dançam em torno dos centros luminosos dos semáforos, dos candeeiros de rua e de todos os focos redondos que cintilam. No tempo de Van Gogh não havia semáforos, é certo. Mas eu vejo estas luzes do mesmo modo que ele via as outras que deixou pintadas, brilhando à solta pelas ruas. Desde os doze anos que penso: «Pintar é ver.» E muito mais tarde: «Ver é pensar.» Estes traços alucinados destacam-se quando olhamos as luzes fixamente, durante algum tempo, ou, pelo contrário - paradoxo... - quando as olhamos distraidamente, fixando genericamente o fundo sem as fixar, porque nesse caso o fundo que está atrás sobrepõe-se à frente, e as luzes começam a piscar. Tenho de investigar Van Gogh com alguma urgência. Tenho de fazê-lo urgentemente, antes que a morte me leve. Ler toda a sua correspondência. Conhecer palmo a palmo a sua vida. Olhar durante horas para os seus quadros e visitar as suas casas se conseguir reunir a coragem suficiente para viajar... Pois tenho a certeza que daí advirá... uma revelação.»


Van Gogh, Noite Estrelada (pormenor), 1889