Heteronímia

Fragmento 197



A heteronímia enquanto género literário está ainda por pensar. O que é um género literário? Um princípio de articulação. À semelhança de uma pergunta que na escrita de pensamento é uma ferramenta de extracção e corte, o género enquanto género também cumpre uma função específica. O pensamento de Platão articulou-se segundo este princípio, assim como o de Pessoa, entre outros. Abordar a possível unidade construída neste sistema sob um princípio de regeneração, porém, resulta numa falácia e, em última análise, é prejudicial por um reducionismo irrelevante. Reis não se regenera em Caeiro, nem Campos em Reis, nem Pessoa em nenhum deles. Platão não se regenera em Timeu, nem em Fédon. A heteronímia obedece, quanto muito, ao princípio de um excesso de conservação, quase no ponto extremo da alucinação. E digo excesso porque o impulso de conservação é aqui levado a um ponto máximo de intensidade, por assim dizer, um ponto tal que conduziria ao colapso qualquer outro sistema. Pois a heteronímia parece permitir enquanto género a conservação máxima de todas as séries divergentes - a conservação áugica, quase liberta de hierarquia - num plano de criação (não colapsado).