Sobre a escolha entre matar ou ser morto

Sonho CLXXVII



Estávamos em guerra e por isso a Francisca fugia com uma pequeníssima menina ao colo.

O pai da menina continuava a tocar violoncelo num pequeno quarto sem janela, de modo que a Francisca partiu sozinha.

«Não morremos com as bombas. Morreremos com o frio.» - Pensava a Francisca, procurando, com as mãos trémulas, os casacos.

Tudo o que conseguiu arranjar foi um blazer de Primavera para si e uma camisola de malha para a pequena, que tinha dois anos.

Com essas coisas nas mãos, desatou a correr.

Há muito tempo que Francisca não falava com os pais, e pensou se naquele momento não deveria ligar-lhes.

A Francisca abrigou-se na grande casa da sua avó, que estava vazia desde a sua morte.

«Teremos comida para quanto tempo?»

A Francisca conseguiu abrigar os seus dois gatos, mas sentia uma angústia extrema por eles.

«Estamos todos condenados.»

Tentaram entrar em casa quatro homens, e ela matou-os a todos, um por um.

Quando por fim chegaram os seus amigos, a Francisca disse:

«Matei quatro homens.»

Dois deles matara-os com um tiro no coração.

Os outros dois, enquanto subiam as escadas, do alto lançara-lhes uma coisa pesada sobre a cabeça e, enquanto estavam atordoados, trespassara-lhes o peito com uma velha lança que estava ao lado de uma armadura medieval.

A sua avó sempre gostara de antiguidades.

«Que fazemos agora com os corpos?»

A Francisca tinha dois revólveres em cada bolso, mas tinha as balas contadas.

Só conseguia lançar sete de cada vez, por isso as mãos não lhe podiam tremer.

«É melhor lançá-los pela janela.»

A Francisca só conseguia pensar em três coisas. Se todas as entradas e janelas estavam protegidas; no número de refeições que poderia confecionar com a comida que se encontrava na despensa; e na vantagem que seria possuir, em vez de um revólver, uma espingarda com vários cintos de munições.

A todos os que quisessem fazer-lhe mal, a Francisca matá-los-ia com uma bala no coração.

A sua mão não tremeria.

Os seus olhos não se fechariam.